O Natal e a Passagem de Ano são momentos comemorados com fervor, e imersos em imponderados impulsos consumistas.

Este consumo desproporcionado está ligado não só aos presentes que se outorgam, como também aos elementos que compõem toda a ambiência natalícia. Os cenários de festividade, de solenidade e de gáudio, combinados com as prédicas de cariz religioso que “personificam” e simbolizam a conciliação e a harmonia, provocam um “exagerado” sentimento de satisfação e, consequentemente, estimulam o consumo. O nascimento de Jesus e a história que circunda o Pai Natal contribuem expressivamente para a edificação de um ambiente animicamente propício ao incremento do dinamismo comercial, onde os chamamentos para a reconquista do semblante religioso do Natal somente usufruem de “iterações” em superfícies muito limitadas e pontualizadas, nas quais o papel da religião ainda vai sendo valorizado.

O dispositivo capitalista, que se estrutura tanto na produção, como no apelo ao consumo, está muitíssimo vigilante e concentrado em todo este embrulho e, simultaneamente, conta com alguns trunfos fundamentais para atingir as suas finalidades como sejam: a publicidade; o marketing; as redes sociais; os desenhos animados; e o cinema.

Infelizmente o invólucro capitalista agasalha um carpo pervertido e debochado que tem como principal propósito a infiltração, no pensamento dos cidadãos, da pardacenta “alegoria” de que “possuir” está num patamar superior do que “ser”. Será que os cidadãos não devem albergar a noção de que a religião e a devoção “editam” sentido subjectivo à existência? Será que os mesmos não têm a obrigação de saber que um produto patenteia a simples e falaciosa sensação de que, por intermédio da sua aquisição, somos mais enaltecidos pelos outros?

O emaranhado método de “comercialização” das relações sociais aleita, em inúmeros indivíduos, o sentimento de que a prenda não é uma forma sob a qual se exterioriza o amor, mas sim o amor na verdadeira ascensão da palavra. Parece que não receber um presente é precisamente igual a não ser amado, erguendo-se, deste modo, o “capricho” e a obstinação pela prenda.

O âmago do vocábulo consumo hospeda a satisfação de necessidades, como sejam as necessidades essenciais e as de obrigação legal. Realçar que o consumo verdadeiramente organizado, ponderado e “consubstanciado” acaba por ser benéfico para toda a comunidade. Todavia, ainda existem, e bastante conectadas com a palavra consumismo, as necessidades por compulsão, nas quais a publicidade subliminar, bem como o marketing belicoso e provocador prescrevem as regras e dominam o jogo. Promove-se, desta forma, uma necessidade psicológica desprendida e insulada das genuínas e legítimas indispensabilidades. Será que o consumismo, por albergar apenas conveniências empresariais demeritórias, não pode ser apreciado como uma desfiguração do próprio consumo?

Salientar que o consumismo difundido pela cultura de massas é robusto e infatigável, uma vez que materializa o rédito capitalista e tem em consideração descoincidentes factores que fazem parte do “cabimento” subjectivo, afectivo e valorativo dos seres humanos. O comércio aproveita-se das lendas e do culto para vender quinquilharias como, na maioria dos casos, são os presentes de Natal. A quadra de Natal é propícia para matutarmos sobre esta “consistência” e inaugurarmos uma série de medidas que nos permitam aperfeiçoar os nossos hábitos de consumo. Convém que os portugueses tenham a consciência de que a sedução e a aliciação alcançam pergaminhos de efectiva psicopatia consumista universal; que Jesus não é o Pai Natal; e que os objectivos empresariais nem sempre estão em sintonia com índoles e sentimentos verdadeiramente natalícios e religiosos.

O Natal comercial alberga axiomáticas conclusões para as empresas, para a economia e para a sociedade, quer em termos de periodicidade das transacções e das “premências” de armazenamento, quer em termos de planeamento da própria produção. Quando meditamos sobre o Natal é seguramente legítimo aquartelar a sensação de que durante o resto do ano tudo é orquestrado pelas multinacionais do “brinquedo”, do “descartável” e do “supérfluo” para a “consecução” de um conjunto de ofertas imersas em originalidade, sabor, movimento, pigmentação, inspiração e bafagem infantil. Será que a aquisição infundada e desmesurada destes produtos não vai esborrachar a maioria das famílias?

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.