A distinção dos governantes, através de um conjunto de símbolos institucionais, ainda desfila nas sociedades. Contemporaneamente, os objectos de luxo abdicaram do seu círculo “hegemónico” em prol de outros símbolos, como as faixas presidenciais, mais convencionais, e menos ostentosos e “ofensivos”. Todavia, as residências oficiais ainda recebem a designação de palácios, nas quais as abundantes fragrâncias de luxo, pomposidade e refinamento permanecem bem activas. As cerimónias, particularmente aquelas que embrulham a visita de outros chefes de Estado, também aconchegam enormes telas de despesa e magnificência. Será que a filosofia do luxo não acarinha o “dom” do desembolso, como forma de asseverar poder e excelência? Será que existe algo mais ignominioso do que ser generoso com o dinheiro do povo?
O luxo como importância simbólica é adjudicado aos seres humanos, os quais encerram a prerrogativa de usufruir dos produtos luxuosos. Logo, o luxo acaba por ser um fenómeno social que opera espontaneamente e directamente sobre o desejo de poder, distinção e “autenticidade” dos sujeitos.
Os dispêndios de notoriedade funcionam, de modo sincrónico, como uma espécie de obrigação, uma ferramenta de distinção, privilégio, imunidade e afirmação social, e um “imaginário” de classe. Na verdade, o luxo é confeccionado como arquétipo simbólico e manancial de estatuto social, autoridade e poder, sendo representado por materiais, objectos e lugares considerados caros, tentadores e sedutores. Será que não foi a partir das suas manifestações materiais que o conceito de luxo se emancipou e conquistou independência?
A raridade e as características de certos materiais metamorfosearam os mesmos em autênticos padrões de valor e apreço. Os indivíduos que hospedam e exibem materiais atraentes acabam por provocar nos outros alguns aromas de interesse e inveja. O itinerário histórico, social e cultural do luxo está intimamente ligado às texturas religiosas, ao poder político, à superfluidade, à abundância e à fortuna, solidificando uma representação robusta e agradável para a cultura das marcas e produtos. Será que esta cultura não caracteriza a sociedade de consumo actual? Será que o luxo não permitiu que certas marcas comerciais se associem ao seu conceito? Será que algumas marcas não representam as emoções, afeições e ideias que determinam a cultura do luxo? Será que os produtos de luxo devem ser deliberadamente caros? Será que o seu custo de aquisição possibilita que os seus consumidores sejam reconhecidos e autenticados como parte da elite social? Será que o poder de consumo “habilita” alguém?
Em sentido oposto ao de outros segmentos, a “contiguidade” do mercado consumidor não constitui uma condição de primordial relevância para o sector do luxo, uma vez que os seus clientes não possuem obstáculos financeiros que os impossibilite de se deslocarem a qualquer local do País ou do mundo. Será que os consumidores do luxo aquartelam muitas diferenças entre si? Será que os mesmos não têm automatismos semelhantes? Será que esses consumidores não amanham os mesmos conceitos? Será que no mercado do luxo são necessários projectos de marketing muito dissemelhantes? Será que o mercado do luxo não está em absoluta dilatação? Será que o luxo hodierno não deixa de ter como objecto o produto em si, transferindo-se para o universo subjectivo do consumidor, carregado de sensações, bálsamos, sabores, necessidades e valores?
A classe média está desvanecida. A Europa esbanjou a sua centralidade económica e vive numa considerável e desconfortável crise de crença. As marcas de luxo continuam, na sua esmagadora maioria, a ser europeias, contudo estão em pleno crescimento em todo o mundo. Será que devemos acreditar na crise do luxo?
Os pactos existentes na sociedade de consumo são determinados pelas entidades que administram e representam a cultura popular “equiponderada”. Os imperativos do vestuário, gastronomia, ornamentação, transporte e habitação, bem como os comportamentos são, em diversas ocasiões, “aconselhados” pelas celebridades.
Na realidade, o ideal humano não é o de consumir, mas sim o de conceber e repartir. Infelizmente o consumo alcançou uma predominância desmesurada, habitando-se no “encastelamento”. A crise que nos assola não tem competência para acabar com o consumo. Será que a cultura do luxo não actua com configurações interessantes e manhosas diante da especulação financeira? Será que os cidadãos compreendem efectivamente os impulsos que os levam a consumir? Será que a auto-estima não é o ponto fraco do homem? Será que a satisfação do ego não alberga algumas doses de dependência e “subordinação”?
A adjunção de valores abstractos e imateriais aos produtos, como as “fisionomias” de marca e de luxo, possibilita que os mesmos sejam transaccionados a preços muito acima não só do seu custo real, como também do seu valor de uso. Será que o conceito de luxo não constitui uma hábil estratégia da cultura de consumo? Será que não é extremamente importante compreender as particularidades e as potencialidades do mercado de luxo no mundo? Será que a classe média representa a maior parte daqueles que procuram objectos em série?
Aqueles que empilharam fortunas sem procederem da nobreza, almejam o luxo para exibir o seu poder económico. Presentemente, ricos e pobres vivem na mesma sociedade de consumo e são estimulados a procurar, tendo em conta os seus recursos financeiros, a realização pessoal. Os consumidores procuram fundamentos lógicos, harmónicos e coerentes no acto da compra, contudo o motivo principal é certamente o de alimentar o próprio ego.
O sistema de democratização das inúmeras jurisdições sociais, devido à independência do capital, revolucionou os sistemas de classes em todo o mundo. Deste modo, podemos afirmar que actualmente a divisão é efectuada entre ricos e pobres. Será admissível falar de luxo no meio de uma crise tão profunda que até interfere com os paradigmas primários de consumo?
A necessidade de representação pode estimular a aquisição de produtos contrafeitos. A compra de imitações de produtos das marcas de luxo pode patentear uma espécie de represália figurativa por parte de grupos de consumidores supostamente discordantes com o estatuto do luxo, que se sentem recompensados ao “desconsiderar” os símbolos de estatuto e poder que na verdade lhes são inabordáveis.
O combate ao fabrico e comercialização de produtos falsificados tem agitado as autoridades e representantes dos dissemelhantes núcleos da sociedade civil. Para reprimir este tipo de comportamento há a necessidade da concepção e aplicação de uma legislação mais rigorosa e abrangente, que compreenda coimas pesadas, penas de prisão aos prevaricadores e cerco constante ao património desses empresários corsários. Existem múltiplas condições, a maioria de carácter estrutural, que contribuem para estimular a ilicitude. A enorme carga tributária, o franzino combate à evasão fiscal e a desastrosa gestão de recursos públicos constituem contextos que acabam por promover sentimentos de irreligiosidade nos cidadãos e empresários.
A minuciosa diferenciação dos públicos consumidores possibilita a interpretação dos sentimentos, apegos e pretensões que esporeiam o consumo do luxo. Luxo é um termo abstracto utilizado para representar o conceito que conglutina distintas emoções e ideias que estão associadas à superabundância, ao estatuto, à fortuna, à exclusividade e ao poder.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.