A Internet também se tornou uma superfície fecunda para mediatizar ainda mais o caso Maddie.

Os McCann conseguem, amiudadamente, lançar exclusivos nas primeiras páginas dos diários nacionais e internacionais de maior tiragem. Simultaneamente ajustam encontros e entrevistas com múltiplas e proeminentes cadeias de televisão. Todas estas diligências são efectuadas com elevadíssimos vértices de profissionalismo. Salientar a presença de assessores em redor dos McCann que arquitectam as suas aparições e manifestações, concebendo e superentendendo todas as conjunções de “oportunidade” que provoquem reacções “convenientes” nos meios de comunicação social. Algumas dessas manifestações são: visita às igrejas por parte dos pais da menina; distribuição de faixas amarelas; afixação de cartazes; apelos variados; e caminhadas pela praia. Devido a supostas convivências privilegiadas com Gordon Brown, os pais passam a ser assessorados por técnicos enviados pelo próprio Governo britânico sob a figura “Apoio Consular em conjunturas excepcionais”. Os McCann são manifestamente pessoas “bem relacionadas”.

Os McCann têm ao seu dispor um conjunto de mecanismos, mais do que suficiente, para desencadear influência social e politica, bem como capacidade para deslocar esforços em torno da causa pela qual dizem lutar, ou seja o aparecimento de Maddie. As conexões entre jornalismo e investigação policial agasalham algumas configurações que merecem ser mencionadas e avaliadas. O agendamento nas primeiras horas é claramente efectuado pelos pais e pelos meios de comunicação britânicos que conseguem arregimentar e movimentar meios, instrumentos, momentos e oportunidades para que todos se concentrem na “história” da criança raptada. Apesar de o acontecimento ter lugar no Algarve, os protagonistas são ingleses e a atmosfera em que desfila a textura de ocorrências é dentro do Ocean Club, no qual se encontram, também eles em férias, alguns elementos que fazem parte de algumas televisões britânicas. Qualquer que seja o fundamento, a criação de um álibi ou a verdadeira determinação em descobrir aquilo que sucedeu à pequena Maddie, existe uma autêntica perseverança neste vigor de agendamento que deixa de estar subordinado aos “esforços” conjunturais para passar a ser entregue a um grupo composto por profissionais que sobrepõe meios absolutamente profissionais para desencadear esse mesmo agendamento.

As fotografias de oportunidade, as caminhadas em contextos previamente estudados e a produção de eventos como: a viagem a Fátima; a deslocação a Roma; a deslocação ao Parlamento Britânico; a visita aos Estados Unidos; as vigílias de solidariedade; o lançamento do vídeo na final da Taça de Inglaterra; a projecção de uma linha de pulseiras “Loock for Madeleine”; e a gestão do encadeamento com os meios de comunicação social constituem algumas das estratégias firmemente empreendidas dentro de uma lógica de campanha mediática. O agendamento, em diversas ocasiões, é realizado no sentido oposto da cadência da investigação policial. Essa investigação, no nosso País, está pouco acostumada a labutar com campanhas tão mediáticas. Não existe memória de um caso com tão elevada mediatização, especialmente televisiva. Na realidade, produziram-se imensos enganos, quiproquós e desconfianças entre a vontade de “difusão” dos pais e a vontade da Polícia Judiciária Portuguesa. Será que não tinha sido proveitoso abandonar as telas menos mediatizadas e perfilhar as de maior secretismo?

As dissemelhantes conjunturas de oportunidade são todas elas germinadas de forma a envolver a inclusão dos pais na lista das vítimas. Esta conjunção somente tem lógica em redor da hipótese de rapto e consequentemente da mobilização de esforços. Na realidade, o enquadramento mediático que proemina nas primeiras semanas é o de rapto, pois é o que é utilizado insistentemente pelos promotores de notícias em que se metamorfosearam os pais de Maddie e os assessores. Será que neste caso a relevância do enquadramento não predomina visivelmente sobre a “pertinência” do agendamento, embora um dependa evidentemente do outro? Será que os meios de comunicação não nos dizem como meditar?

Falar do caso é disseminar o semblante da menina para que a mesma seja encontrada. Neste sentido, a manutenência do rosto de Maddie no cume da agenda jornalística e a conservação de índices elevados de visibilidade constituem contextos que se aproximam e identificam com a dissertação de rapto. Quais são as circunstâncias que fazem com que determinados temas, quando comparados com outros, aquartelem mais valor-notícia?

O enquadramento narrativo e mediático constitui uma poderosa e influente força de edificação social da realidade, uma vez que determina e localiza aquilo que se vai agendar. O agendamento e o enquadramento, numa perspectiva de investigação criminal, são especialmente estratificados ou acamados. Isso é evidente quando se tratam de indivíduos que dispõem de mecanismos de influência peculiarmente vigorosos. A celeridade de disseminação de notícias nos meios de comunicação britânicos contrastou com a dos meios de comunicação portugueses. Os meios de comunicação britânicos desenvolveram uma disposição de liderança que acabou por arrastar os meios de comunicação nacionais. Quantas famílias das crianças inglesas ou portuguesas que desaparecem todos os dias são capazes de ter ingresso directo nos meios de comunicação, de alcançar saliência numa audiência geral do papa, de provocar a simpatia e sintonia de Bechkam e Ronaldo, de estimular a afinidade com a banda Simple Minds, ou de contratar um assessor de comunicação que abandona as funções que desempenha no Governo inglês para assessorar a sua causa?

Houve uma inclinação para a dramatização da vida quotidiana. Boa parte da enérgica cobertura do caso Maddie foi preenchida com reconstituições, dramatizações e formulações de hipóteses. A notícia agasalha propriedades fabulosas porque proporciona esclarecimentos para ocorrências aterradoras, edificando explanações aceitáveis para assuntos alarmantes, bem como oferecendo serenidade e intimidade em experiências comunitárias. Também torna publicamente aceitáveis os conceitos de norma e de desvio, prevenindo para os resultados castigadores adjacentes aos comportamentos incorrectos, indecorosos e impróprios. A cominação sobre o panorama diário familiar expressada na imagem do raptor, do óbito, da presença do eventual pedófilo acaba por se ajustar a um género de cabimento mitológico da narrativa. Será que o consumo da notícia não pode ser comparável ao consumo da religião ou ao consumo de um qualquer “movimento protocolar”? Será que o caso Maddie não constitui um repto às formas de fotografar o espaço infantil, a superfície familiar, o crime, a negligência, a investigação policial e a instituição policial?

Pelas conturbações que este caso embrulha, ficam em aberto algumas interrogações sobre a função desempenhada pelos meios de comunicação nas sociedades actuais no que se refere não só ao entendimento da ideia de público e de privado pelo jornalismo hodierno, como também à ideia da nossa racionalidade e índices de compreensão quando confrontados com panoramas de crime. Qual é o espaço público mediático que tem a capacidade de abordar o crime, a iniquidade e o sofrimento, conservando inviolada a sua integridade? Será que o jornalismo e a investigação criminal não têm um longo caminho a palmilhar? Será que não é proveitoso o entendimento do fenómeno criminal nas suas diferentes extensões antropológicas? Será que não é fundamental a preparação das forças policiais para lidar com os jornalistas? Será que não é profícuo preparar os jornalistas para labutar com campanhas mediáticas que não se limitam unicamente aos padrões político e económico? Será que o jornalismo criminal não desponta como um “desafio” à própria investigação?

O livro de Gonçalo Amaral teve como finalidade principal dar a conhecer factos por quem residiu na investigação durante muitos meses. “A verdade da Mentira” menciona situações que levantam inúmeras desconfianças e conjunturas de investigação que patenteiam pouca solidez na versão dos pais, transportando novos elementos que nunca chegaram ao público. Leiam o livro de Gonçalo Amaral porque é verdadeiramente interessante.

Quando um ser humano desaparece sem deixar rasto é porque alguém falhou. Infelizmente, em Portugal, estamos a assistir a uma “utilização” crescente da justiça para apavorar autores de eventuais descomedimentos de liberdade de expressão, através de processos com pedidos de indeminização milionários capazes de os arrasar se forem julgados procedentes. Será que não vale sempre a pena publicar a nossa opinião? Será que devemos perfilhar a autocensura? Será que a utilização da justiça para ameaçar a liberdade de expressão não vai desaguar num “afogo democrático”? Será que Gonçalo Amaral não está a sofrer perseguições descompassadas por dizer aquilo que provavelmente a maioria dos portugueses pensam? Será que os meandros da Justiça Portuguesa não são, no mínimo, estranhos? Qual a razão de a mesma deixar prescrever processos e libertar criminosos sem julgamento? Será que a democracia merece as derrocadas jurídicas que infelizmente parecem continuar frenéticas e altamente enérgicas? Será que Gonçalo Amaral cometeu um crime mais grave do que o próprio desaparecimento da menina?

Pretendo neste texto expressar a minha solidariedade a Gonçalo Amaral e referir que um polícia como ele, mesmo expropriado de toda a riqueza, merece toda a minha consideração e confiança. A perseguição por que está a passar já ultrapassa tudo o que se pode consentir num Estado Democrático de Direito. Há muitos portugueses e ingleses que partilham da tese de que os pais da criança sabem muito mais do que dizem. Desafortunadamente nada disto prova que a criança está viva. Os Mccann afirmam e acreditam que Maddie está viva, contudo sangue e odor a cadáver associados indicam decesso e não vida. Que futuro se espera deste sistema judicial? Será que alguém sabe responder? Será segredo de justiça? Será que a Inquisição foi de novo instaurada em Portugal? Será que a liberdade de expressão não é um dos alicerces mais importantes de uma Nação?

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.