Nos primeiros três meses deste ano 18.534 novas famílias entraram em incumprimento, segundo os dados ontem publicados na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal. Trata-se do maior aumento em dois anos, ou seja, desde o primeiro trimestre de 2012, em pleno apogeu da crise económica nacional. Números que parecem surgir em contraciclo mas que não surpreendem Natália Nunes, responsável pelo Gabinete de Apoio ao Sobreendividado da Deco, que explica: “Em 2013 a situação financeira das famílias continuou a agravar-se. Mas ainda tinham algumas reservas ou a ajuda de amigos ou familiares, que agora estão esgotadas. As famílias têm cada vez menos rendimento disponível, já esgotaram todas as suas poupanças, e a sua principal ajuda, que têm sido os pais, também já não conseguem”.
O aumento do número de famílias que deixou de conseguir cumprir as suas responsabilidades com o crédito parece assim refletir uma segunda vaga de famílias afetadas pela crise económica do país. Se num primeiro momento foram as famílias mais vulneráveis – em situação de desemprego e sem acesso a poupanças – as primeiras a serem afetadas, atualmente parece existir um segundo ponto de ruptura. “Ao contrário do que acontecia até agora, em que o desemprego era a principal causa de incumprimento de quem procurava a nossa ajuda, este ano já são os cortes salariais, que representam quase 40% dos pedidos de ajuda”, conta Natália Nunes. Ou seja, pessoas que permanecem empregadas mas que perante a contínua degradação do rendimento disponível – fruto de cortes salariais, aumentos de impostos e dos custos dos bens essenciais – e tendo esgotado as poupanças, já não conseguem continuar a pagar as prestações do crédito.
E os números relativos ao crédito à habitação – o último que por norma as famílias deixam de pagar – espelha bem o nível de dificuldade destas famílias. No primeiro trimestre do ano, 4.083 novas famílias entraram em incumprimento na habitação, o que é igualmente o maior aumento desde o período homólogo de 2012. O número de famílias com crédito vencido na habitação seguia aliás em queda há três trimestres consecutivos, fruto também dos planos de reestruturação de créditos que a banca foi obrigada a aplicar. Muitos destes casos incumprem também no crédito ao consumo, onde foram registadas 13.149 novas entradas em incumprimento até março.
Uma tendência que foi transversal não só a todos os segmentos mas também a todos os escalões de crédito. Existem em Portugal 133.563 famílias que não conseguem pagar créditos inferiores a 1.000 euros, mais 4.706 do que existiam no final de dezembro. A estas juntam-se mais 127.083 que não conseguem saldar dívidas entre os 1.000 e os 5.000 euros, um aumento de 1.224 famílias face ao final de 2013. Estes são por norma os escalões que costumam registar os maiores aumentos de casos, mas o primeiro trimestre deste ano trouxe também aqui uma novidade. Nos créditos entre 50.000 e 100.000 euros existiram 3.736 novas entradas em incumprimento, enquanto nos financiamentos entre 100.000 e 200.000 euros foram registados 3.086 novos casos. Números que voltam a refletir a diferente tipologia de famílias agora afetadas.