“Faca na Pedra Olhar Solar” e “Formas Feitas de Nevoeiro Vivo” são os dois projetos de dois coletivos de artistas, alicerçados no património da região, que se apresentam em simultâneo nas salas de exposições temporárias do Museu do Côa, até ao próximo dia 10 de novembro.
“Um dos projetos é da Rita Castro Neves e Daniel Moreira, e dá pelo nome de ‘Faca em Pedra na Pedra Olhar Solar'”, disse à agência Lusa a responsável pela secção de exposições do Museu do Côa, Dalila Correia. O outro, “Formas Feitas de Nevoeiros Vivo”, é coordenado por Samuel Ornelas, em coautoria com Ana Torrie, com participação da atriz e encenadora Sara Barros Leitão e da compositora e harpista Angélica Salvi.
“Estas exposições têm como base a gravura que vão beber à arte paleolítica mas com um toque muito contemporâneo”, descreveu Dalila Correia à Lusa. Os artistas, “depois de conhecerem as entranhas do Vale do Côa, produziram peças muitos naturais e contemporâneas onde são usados vários materiais, com a arte rupestre como ponto de partida”.
“Na fundação alimentam-se as ideias da arte contemporânea e os artistas emergentes muitas vezes procuram-nos havendo sempre abertura para colocar em diálogo a ligação da ancestral arte rupestre do Côa à arte contemporânea. Os artistas emergentes são para nós importantíssimos para fazer esta ligação e acabam por se surpreender com a novidade intrínseca da arte ancestral do Côa”, explicou Dalila Correia.
A responsável realçou que “é muito importante” ver estas interpretações da arte do Côa refletidas nas três salas de exposições temporárias do museu, com “projetos novos, carregados de irreverência artística”, numa grande mostra que demorou cerca de dez dias ser montada.
A inauguração das duas exposições acontece no âmbito das celebrações de 28.º aniversário do Parque Arqueológico do Vale do Côa (PAVC). Os dois projetos resultam de propostas apresentadas por artistas à Fundação Côa Parque, que contaram com apoio da Direção-Geral das Artes (DGArtes).
O projeto “Faca na Pedra Olho Solar” centra-se no estudo e homenagem a um património que, sendo da Humanidade, também o é do Portugal interior rural.
“Partindo do fascínio pelas ancestrais representações artísticas rupestres, ao ar livre e móveis do Vale do Côa, imaginámos um espaço de confluência entre humanos, animais, pedras, plantas, cursos de água e metais, em ficção interespécie e transtemporal”, indicam os autores Rita Castro Neves e Daniel Moreira, para quem “são impressionantes as gravuras paleolíticas e da idade do ferro do Côa”.
Como explicam no texto de apresentação da mostra, as gravuras têm “na sua base uma visão ‘site-specific’ de grande imersividade”, obtida “com poucos meios”, possuindo “uma complexa e sofisticada simplicidade”, à qual desejam aproximar a sua própria arte.
“Sobrepor gravuras, usar a topografia e a forma das pedras para dar volume, profundidade e sombra aos desenhos dos animais, são técnicas artísticas que ali se veem dominadas há já 30.000 anos”, sublinham.
Ao longo dos três anos de pesquisa e criação, de visitas ao museu e ao Vale do Côa, de conversas com arqueólogas e arqueólogos, com guias e com a geóloga do Parque, os dois criadores aprofundaram a reflexão sobre um processo de resiliência, de conservação e de descoberta (arqueológica, histórica, geográfica, patrimonial, artística, social) que, acima de tudo, aceita o desconhecido.
“Entendemos bem isto, porque abraçar a especulação e o espanto faz parte de muitos dos processos técnicos, criativos, sensíveis, emotivos da criação artística. Certamente faz parte dos modos de fazer aberto que desejamos perseguir”, declara, na folha de apresentação da mostra, a dupla de artistas que em 2020 concluiu o projeto de recuperação da Escola da Macieira, na Serra de São Macário, que deu origem a uma residência para artistas.
De acordo com os autores, termos como Idade da Pedra, Idade do Ferro, Idade do Gelo evocam transformações poderosas no passado, num paralelo com os tempos atuais de crise climática: “É a sensação de estarmos no cume da montanha a contemplar a queda”.
Samuel Ornelas e Ana Torrie, por seu lado, mentores de “Formas Feitas de Nevoeiros Vivo”, explicaram à Lusa que este projeto de artes visuais se alicerça sobretudo na gravura contemporânea.
“O conjunto artístico foi pensado para salas de exposições temporárias do Museu do Côa, promovendo uma interligação com o próprio espaço arquitetónico interior e a paisagem exterior, a partir obras escultóricas e instalações xilográficas de grandes dimensões”, vincou Samuel Ornelas.
As peças foram criadas por Samuel Ornelas e Ana Torrie e apresentam-se “vinculadas a uma obra/percurso sonoro” feito em cocriação com Angélica Salvi e Sara Barros Leitão. Esta ‘sonoplastia’ está na base da atuação que reunirá a compositora e a atriz no dia da abertura da mostra, no museu.
No encerramento, em 10 de novembro, haverá uma conversa aberta ao público com todos os artistas do projeto.
“Faca na Pedra Olhar Solar” e “Formas Feitas de Nevoeiro Vivo” sucedem a “Paula Rego – Rotura e Continuidade”, exposição que esteve patente no Museu do Côa desde 01 de dezembro do ano passado, até 28 de julho. Esta mostra, dominada pela gravura de Paula Rego (1935-2022), mobilizou o número recorde de 60 mil visitantes, durante oito meses, como disse à agência Lusa a presidente da Fundação Côa Parque, Aida Carvalho.
Nas exposições mais visitadas do Museu do Côa contam-se ainda “Dark Safari”, a partir da Coleção de Arte Contemporânea do Estado, que ultrapassou as 38 mil entradas, de 18 de fevereiro a 30 de julho de 2023, e “Mapas da Terra e do Tempo”, de Graça Morais, vista por perto de 37 mil pessoas, entre junho de 2022 e janeiro de 2023.