As suspeitas a José Sócrates e a Manuel Santos Silva nasceram na Covilhã há 17 anos

Em 2003 a PJ quis fazer buscas em casa de Sócrates por causa do processo da Cova da Beira, mas o Ministério Público não autorizou.

Santos Silva, atualmente na prisão, tinha tudo a ver com as suspeitas que incidiam sobre o seu amigo, mas nunca foi investigado.

Já lá vão 17 anos que as relações perigosas entre José Sócrates e o empresário Carlos Manuel Santos Silva são conhecidas na Covilhã. Os dois homens, ambos criados na região e amigos de longa data, estiveram desde 1997 no centro de todas as suspeitas que conduziram à fracassada investigação judicial do chamado caso Cova da Beira.

Desta investigação, que durou uma década e esteve parada durante vários anos, resultou a absolvição, já em 2013, de um sócio de Santos Silva — o empresário Horácio Carvalho — e de António Morais, o professor com o qual Sócrates obteve o diploma de licenciado em engenharia na Universidade Independente. Fora de qualquer diligência da polícia ou do Ministério Público (MP) ao longo de todos esses anos ficaram sempre, neste processo, os dois amigos da Covilhã.

José Sócrates era o secretário de Estado do Ambiente em 1997 e foi sob a sua tutela que foi lançado o projeto de construção da Central de Tratamento de Resíduos Sólidos da Associação de Municípios da Cova da Beira, a construir na zona do Fundão. Carlos Santos Silva (primo direito de Manuel Santos Silva, ex-reitor da Universidade da Beira Interior e atual presidente da Assembleia Municipal da Covilhã, eleito na lista do PS) era o principal sócio da Conegil, uma empresa de construção civil local.

António Morais era amigo de Sócrates desde o início da década, época em que foi professor na Universidade da Beira Interior. Em 1995, quando Sócrates e Armando Vara entram para o Governo pela primeira vez, Morais é nomeado adjunto de Vara. Meses depois, o então secretário de Estado da Administração Interna nomeia-o diretor do GEPI — o departamento governamental responsável por todas as obras das forças de segurança. É nessa altura que Morais se torna professor de Sócrates em quatro das cinco disciplinas que lhe dão o título de licenciado.

E é logo a seguir, em 1997, que a associação de municípios escolhe uma empresa de António Morais para gerir o concurso da empreitada da central de resíduos. No meio de muita controvérsia e com denúncias de corrupção a serem desde logo enviadas ao Ministério Público, a obra é adjudicada a um consócio liderado por uma empresa de Horácio Carvalho, também natural da Covilhã, e que incluía, em lugar de destaque, a Conegil do amigo de Sócrates.

Nos anos seguintes, o GEPI, sempre dirigido por Morais, é praticamente o único cliente da Conegil. As adjudicações sucedem-se, com “irregularidades e ilegalidades” detetadas em duas auditorias, e a empresa de Santos Silva arrebata mais de 20% das inúmeras obras (27% em valor) que o GEPI manda fazer em todo o país, entre 1996 e 1999. Ao mesmo tempo, a Conegil vai construindo a central do lixo, muito lentamente e sem qualquer problema com a fiscalização da obra, que foi entregue pela associação de municípios a empresas de sócios de Santos Silva e amigos de Sócrates.

Apesar das facilidades de que gozava, a Conegil acaba por falir em 2003 — quando Morais já tinha sido afastado do GEPI pelo Governo de Durão Barroso —, com 20 milhões de dívidas, entre os quais 1,6 ao próprio GEPI.

Nesse mesmo ano, depois de o inquérito da Cova da Beira ter sido relançado em 2002, após a saída do PS do Governo, a PJ propõe a realização de buscas na residência de Sócrates. Os indícios disponíveis apontavam para o facto de ter sido ele quem orquestrou a entrega da obra à Conegil. O Ministério Público, porém, indefere a proposta e ficam por seguir todas as pistas que relacionam o então deputado com Santos Silva e com as adjudicações do GEPI.

Em 2007, dois anos depois da posse do primeiro Governo de Sócrates, o processo está praticamente esquecido. O PÚBLICO faz repetidas perguntas à Procuradoria Geral da República sobre o estado em que ele se encontra e pouco depois, mesmo à beira da prescrição, o Ministério Público dá a investigação por terminada.

As suspeitas sobre Sócrates são arquivadas e de Santos Silva nem se fala. Acusados de corrupção são apenas o seu sócio Horácio de Carvalho, António Morais e a ex-mulher, que acabam por ser absolvidos em 2013.

Mas Santos Silva, apesar da falência da Conegil em 2003, mantém-se estreitamente ligado ao setor das obras públicas. Engenheiro de renome, foi um dos fundadores da Constrope, que se tornou também um dos grandes empreiteiros do GEPI, e possui várias empresas de projeto e fiscalização de obras, nomeadamente a Proengel, com sede em Telheiras.

Em 2007 passa o fim do ano com Sócrates no Brasil (a foto neste artigo, juntamente com o então ministro Jaime Silva e Rui Vieira, marido de Edite Estrela, e outras pessoas). No final do ano seguinte aparece como administrador de uma empresa do grupo Lena, com sede em Leiria, cidade onde é conhecido como arquitecto e influente maçon o sogro de Sócrates, José Fava.

A empresa que passou a administrar era a Lena Comunicação, que pouco depois lançou o jornal i e adquiriu um conjunto de jornais e rádios regionais, visando a obtenção de um lugar de destaque no setor da comunicação social. O projeto acabou por se desmoronar com a chegada da crise, mas Santos Silva manteve as suas ligações ao grupo. Em 2010 este consegue um contrato de 683 milhões de euros para construir 2500 casas na Venezuela de Hugo Chávez. O negócio, que também não foi por diante, foi celebrado com o patrocínio de Sócrates durante uma visita oficial a Caracas.

Nos últimos dois anos — em particular desde que se soube que Santos Silva tinha comprado o apartamento da mãe de Sócrates no edifíco Heron Castil e desde que a revista Sábado noticiou, em julho, que os dois amigos estavam a ser investigados — as suspeitas de que se falava na Covilhã há 17 anos voltaram a fazer algum sentido.

A detenção dos dois amigos e os indícios de que Santos Silva terá sido, durante todos estes anos, o testa de ferro de Sócrates só vieram dar razão a quem os denunciou no caso da Cova da Beira.


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