Todos os cidadãos, independente do tipo ou do escalão de limitação, agasalham um potencial que pode perfeitamente ser trabalhado.

O paradigma da “pluralidade” relacional, no actual ensino inclusivo, tem sido o âmago das altercações na maioria dos Países que perfilharam a inserção de indivíduos portadores de deficiência no “normal” funcionamento das turmas. A escola especial, pela imperfeição dos projectos políticos pedagógicos, sofreu a perda de muitos alunos e pode ser considerada uma “espécie” em obliteração. Enquanto a escola tradicional, em certos parâmetros que não o desporto, se “adubou” para acolher alunos com deficiência, a escola especial nunca colocou sequer a hipótese de poder vir a receber alunos que não possuíssem qualquer tipo de deficiência.
As escolas de ensino especial procuraram inserir os seus alunos no desporto. Contudo, e com a contemporânea conjuntura de “extinção”, podemos afirmar que esses discentes, por serem acondicionados noutras estruturas e noutros espaços, perdem a oportunidade de praticar desporto adaptado. Convém não esquecer que a preferência por uma modalidade desportiva está intimamente ligada a alguns factores como sejam: a condição económica e social dos indivíduos; as limitações e as potencialidades; o incentivo familiar; e a sensibilidade dos profissionais que os alumiam. Será que o seu “cosmos” desportivo não fica manifestamente distante da sua “existência” social?
Infelizmente a “principalidade” atribuída às aulas de educação física tem incidido fundamentalmente na performance; no resultado; na competitividade; na desconsideração pela individualidade e singularidade; no insuficiente conhecimento das potencialidades; e na exacerbação das limitações dos alunos. Será que a principal preocupação de alguns treinadores ou professores de educação física não se concentra nos conteúdos técnicos, na interpretação competitiva e nos resultados desportivos? Será que a esmagadora maioria dos professores e dos treinadores está sensibilizada para as sinuosidades e finalidades que embrulham o desporto adaptado? Será que esta condição não contribui para que o mesmo deixe de ser praticado? Será que este contexto não edifica um colossal obstáculo às pessoas com deficiência? Será que o desporto convencional não hospeda uma competitividade “encolerizada” e excessivamente excludente? Como se define desporto adaptado? Será que não é pertinente e determinante confeccionar, disseminar e perfilhar políticas públicas que evitem que o desporto adaptado de alto rendimento, num curto espaço de tempo, seja apenas uma miragem?
Para além das limitações intrínsecas à situação de deficiência, o indivíduo com limitações físicas ou intelectuais pode debater-se com outras contrariedades, oriundas da escassez de estruturas físicas adequadas à mobilidade nas cidades. Como sabemos, existem inúmeras cidades que não agasalham qualquer tipo de equipamento adequado para a mobilidade quotidiana de pessoas portadoras de deficiência. Logo, é seguramente uma gigantesca perda de tempo pensar-se numa eficaz, eficiente e saudável prática desportiva.
Alguns dos factores que contribuem para uma prática desportiva pouco igualitária são: a carência de equipamentos desportivos, adequados às deficiências, nas escolas convencionais; a “imperfeição” profissional de professores e de treinadores para esta nova realidade; as constantes e densas barreiras estereotipadas; e o encerramento de algumas escolas especiais. O desporto adaptado pode e deve ser contemplado e degustado como uma efectiva possibilidade para que as pessoas com necessidades especiais possam aperfeiçoar uma determinada actividade física, ofuscando, deste modo e em simultâneo, os contextos de sedentarismo e de segregação social. Todavia, são indispensáveis múltiplos arquétipos, mecanismos e esforços não só por parte do poder público, como também por parte da iniciativa privada, para que a inserção e o desenvolvimento do deficiente físico e intelectual, no seio do paradigma desportivo, seja uma utopia exequível.
Nos jogos paraolímpicos as modalidades desportivas são alicerçadas numa congruente e planeada distribuição funcional, com a translúcida finalidade de agrupar os deficientes físicos em classes e, concomitantemente, oferecer-lhes uma competição indumentada pela igualdade. Por todo o mundo, os jogos paraolímpicos têm vindo a adquirir uma promissora relevância, adquirindo e “concretizando” novas formas de meditação, bem como uma estimação bastante significativa por parte de muitos milhões de pessoas. A essência dos jogos paraolímpicos alberga um conjunto extenso de vocábulos como sejam: atitude; postura; superação; força de vontade; espírito de sacrifício; talento; garra; coragem; energia; confiança; esperança; crença; e persistência.
É fundamental que os cidadãos tenham a consciência de que o desporto é um direito de todos, independentemente da estirpe, da natureza, da doutrina e da restrição física ou intelectual. Estou plenamente convicto que para as pessoas com necessidades especiais é bastante mais estimulante, reconfortante e motivador ser reconhecido como um atleta do que ser “autenticado” como aquele que carece de cuidados especiais constantes. O desporto adaptado em Portugal, por ainda necessitar de divulgação, planeamento e cooperação, não proporciona o ingresso de muitos indivíduos à prática desportiva e, concomitantemente, não permite que os mesmos gozem das suas, mais do que reconhecidas, vantagens. A discriminação e a falta de indicação de um caminho palpável e profícuo aos alunos portadores de deficiência acabam por não constituir uma matéria meramente específica das escolas, mas sim um conteúdo estrutural, transversal e conjuntural da nossa sociedade. Será que devemos classificar as pessoas portadoras de deficiência como incapazes? Será que não devemos qualificar as mesmas como portadoras de algumas capacidades?
Numa primeira fase, o desporto para cidadãos portadores de deficiência física ou mental era desenhado como uma tentativa ou formato de auxílio no processo terapêutico de pessoas com algum género de limitação motora. Posteriormente foi conquistando muitos seguidores, ou seja alcançou um patamar ou estatuto muito além da colaboração em processos de terapia. Para esta população, o desporto perspectivou e caminhou para o alto rendimento, no qual o nível técnico dos atletas cresceu de forma bastante célere. Na realidade, existem deficiências que inviabilizam a prática do desporto, todavia a actividade física alicerça-se e consolida-se no desporto como agente ou factor motivacional, metamorfoseando-se em actividade física desportiva.
Todos os cidadãos, independente do tipo ou do escalão de limitação, agasalham um potencial que pode perfeitamente ser trabalhado. Quando esta condição ocorre, a capacidade de superação desses cidadãos aumenta significativamente, conseguindo alcançar categorias superiores de aptidão e de competência. Será que não é fundamental o incentivo que o treinador ou professor pode outorgar aos seus alunos e atletas, nomeadamente aqueles que são portadores de deficiência? Será que os mesmos não são descriminados pela sociedade? Será que numa fase inicial, os alunos ou os atletas portadores de deficiência não estão desmotivados pela sua própria condição? Será que não é necessário fortalecer os princípios de protecção e definir abertamente quem se enquadra em cada tipo de deficiência? Será que não são necessárias políticas públicas que aniquilem a marginalização imposta pela sociedade? Será que a sociedade não se deve consciencializar de que a prática desportiva é um direito da população, independente da limitação física ou intelectual?