A sociedade hodierna caracteriza-se ou descreve-se por um gradual desenvolvimento da informática, da tecnologia e dos meios de comunicação, facultando a célere disseminação da informação; a vulgarização da imagem e do som; e o “convívio” ou o contacto à distância, designadamente através da Internet.

Residimos na época do descartável; da aparência; da Internet; da competitividade imoderada; da robótica; da alta velocidade; da computação; e da permutação do homem pela máquina. Será que esta conjuntura não edificou a tão badalada massificação? Será que não existem perigos adjacentes à essa mesma massificação? Será que alguém controla esses perigos? Será que a massificação não agasalha a finalidade de influenciar, de manipular, de direccionar e de estandardizar, num determinado sentido, o comportamento do maior número possível de indivíduos? Será que este cenário não pode ser degustado como a “vertigem das tecnologias”? Será que não existem corpulentas vantagens inerentes à massificação das tecnologias de informação e de comunicação? Será que as vantagens não são significativamente maiores que os perigos? Será que alguém acolhe e conhece verdadeiramente essas vantagens? Será que este panorama não contribuiu para o incremento dos índices de segurança? Será que a segurança não constitui um direito fundamental para o homem? Será que a “vertigem das tecnologias”, apesar de aquartelar alguns “sulcos” para os cidadãos, não nos proporciona espessos contextos de bem-estar e de satisfação?

Na realidade, os seres humanos ainda presenciam a propagação rápida de sentimentos de insegurança e de incerteza, alicerçada em acções de criminalidade organizada; de terrorismo; de corrupção; de degradação social; e de competição traiçoeira. Este cenário acaba por promover a edificação, por parte dos Estados e segundados por vigorosos instrumentos científicos e tecnológicos, de mecanismos de prevenção do crime, de protecção dos cidadãos e de segurança. Será que não é nesta espécie de conjunção social que desponta a videovigilância? Será que as superfícies do saber e do conhecimento, como por exemplo o direito, a justiça e a política, poderiam ficar afastadas deste “processo”? Será que no âmbito do direito e da justiça não se ergue um conjunto de dilemas relevante relacionado com a forma de como a videovigilância deve ser encaixilhada na própria “disposição” jurídica? Quais são os locais onde tal recurso pode ser empregue, tentando reverenciar sempre os dissemelhantes bens jurídicos que a sua aplicação possa influenciar? Qual a sua receptibilidade enquanto aparelho probatório? Será que não é fundamental convocar e compreender os conceitos de cidadania, de liberdade, de equilíbrio, de segurança e de confiança? Será que estes conceitos não constituem princípios ou preceitos orientadores do Estado de Direito Democrático? Será que esses princípios não devem coadjuvar no enquadramento da videovigilância? Será que o enquadramento da videovigilância não pode ser interpretado como uma configuração de concretização desses mesmos princípios?

Torna-se fundamental saber se a utilização de câmaras de vídeo hospeda um efeito unicamente preventivo, ou se esse efeito chega mesmo a ser ultrapassado, alcançando também um temperamento repressivo. Será que a par da chancela preventiva não desfila a preocupação com a própria privacidade do cidadão? De que modo essa inquietação desabrocha? Em que cabimentos e extensões? Será que o “fenómeno” da privacidade se coloca simplesmente quando raciocinamos nos direitos de personalidade? Como se definem os direitos de personalidade? Quem executa a recolha e o tratamento dos dados pessoais? Quais são os espaços físicos que acolhem essas bases de dados?

A videovigilância pode ser definida como um instrumento de controlo, constituído por uma ou mais câmaras de vídeo que abrigam imagens num determinado espaço e durante um certo período de tempo. Geralmente essas câmaras são apetrechadas com um software específico, quase sempre ligado à Internet, que possibilita a captação e o visionamento de imagens em tempo real. Na sociedade actual, a segurança assume um papel primordial, ou seja as preocupações com a mesma são cada vez maiores. Na realidade, a utilização da videovigilância vulgarizou-se, todavia se por um lado a aplicação da mesma nos compraze pelo facto de aumentar a sensação de segurança, por outro lado a captação de imagens pode entremeter-se com os nossos direitos, garantias e liberdades. Será que não é relevante reformular o “prospecto” relativo aos Locais Públicos de Utilização Comum? Será que o mesmo não deve envolver uma extensão alargada de espaços? Será que todos os espaços podem ser objecto de protecção e de vigilância? Será que os espaços encaixados na lei não devem ser aqueles que efectivamente podem ser frequentados por qualquer cidadão, sem reservas ou limitações, desde que não interfiram na intimidade da vida privada? Quais são os requisitos que alicerçam a intimidade da vida privada? Será que a intimidade da vida privada, quando comparada com a segurança, deve ocupar o mesmo patamar ou até um patamar cimeiro?

No que se refere à manutenção da segurança e da ordem pública, não é certamente despropositada a aplicação das câmaras de vídeo quando o controlo dos riscos ou dos problemas não seja eficiente pela actividade das forças de segurança. Neste delineamento, a videovigilância actuaria unicamente de forma preventiva. Qual é a dimensão da utilização de câmaras de vídeo no âmbito da prevenção criminal?

A videovigilância deve ser implementada apenas para acautelar circunstâncias que coloquem em causa a segurança pública, como é o caso da prática de crimes. Devem perfilhar-se estratégias ajustadas às texturas criminais, que promovam sobretudo a protecção de pessoas e bens. Porém, as medidas adoptadas, na maioria das circunstâncias, não devem limitar os direitos, as liberdades e as garantias dos cidadãos. Será que as fragrâncias de segurança não se colocam tanto no sector público, como no sector privado? Será que não é essencial conhecer a finalidade a que se destina a aplicação do sistema de videovigilância?

Quanto à questão da liberdade, podemos asseverar que as câmaras de vídeo facultam a liberdade e a segurança dos cidadãos, pelo facto de prevenirem a prática de crimes. Mas, e numa outra perspectiva, as mesmas podem comprometer a liberdade, uma vez que este mecanismo pode ser compreendido como um formato de repressão do direito à imagem, bem como à reserva da intimidade da vida privada. Será que o homem não vive numa constante e pertinaz contradição? Será que os cidadãos não necessitam de densas texturas de liberdade e de segurança? Será que não são realidades de árdua concertação? Será que não são realidades separadas por trincheiras franzinas? Será que uma sociedade sem liberdade não restringe, reprime e subjuga a posição dos cidadãos em relação ao poder público? Será que a inexistência de segurança não trava o “desempenho” das liberdades?

A utilização de sistemas de videovigilância tem um efeito dissuasor no cometimento de infracções. Esse efeito dissuasor somente faz sentido quando coligado à repressão, caso contrário qual seria a vantagem de prevenir se depois do crime perpetrado não se punisse o transgressor. Quando os sistemas de videovigilância captam imagens da prática de um crime, o infractor deve ficar sempre sujeito à consequente repressão e concernente punição. Será que este cenário se concretiza sempre? Será que o mesmo não é submetido a demasiadas conjunturas burocráticas? Será que os direitos pessoais, como sejam o direito à imagem; à reserva da intimidade da vida privada; e à liberdade, particularmente a de movimentação, não devem ser “abreviados” quando efectivamente se lida com um crime? Será que é racional ter acesso às imagens de um determinado crime e o tribunal não as aceitar como meio de prova? Quais são as razões para que a videovigilância seja considerada um meio de obtenção de prova e não um meio de prova? Onde está o bom senso?

O direito à segurança encontra-se consagrado na Constituição da República Portuguesa, alicerçado num quadro de segurança individual e cabendo ao Estado assegurar os direitos pessoais dos cidadãos. Qual é a razão que fundamenta o facto de esse direito, apesar de constitucionalmente consagrado, não ser compreendido como um direito absoluto? Será que numa conjuntura de crime, o direito à segurança, mesmo violando alguns dos direitos pessoais, deve ser limitado ou amputado? Como se interpreta e aplica o princípio da proporcionalidade? Será que a nossa vida não está totalmente exposta? Será que não devemos agarrar o touro pelos cornos?

Por decisão pessoal o autor não escreve sob as regras do Novo Acordo Ortográfico.