Através do desenho, a criança desenvolve, em maiores ou menores índices de intensidade, os seus sentimentos.

Quanto mais denso for o empenho e o compromisso da criança com o desenho, maiores serão as probabilidades de estarem presentes no mesmo as suas alegrias e tristezas, bem como as experiências que lhe outorgaram satisfação, desgosto, surpresa, motivação, medo, entusiasmo e agitação. Será que o desenho não constitui um género de linguagem pelo qual a criança tem a oportunidade de representar a sua “cultura”?
Por intermédio do desenho, a criança concebe, produz, idealiza e recria individualmente configurações expressivas, incorporando graus de compreensão, de imaginação, de meditação e de emoção. A criança é capaz de produzir aquilo que contempla, desenhando por exemplo o seu medo, a sua convivência diária e a sua família. Será que os desenhos, em determinadas circunstâncias, não são a sua leitura acerca do mundo? Será que esse mundo é sempre pigmentado?

O desenho infantil pode espelhar a desumanidade dos factos ou dos acontecimentos, destacando-se a infelicidade, a adversidades e a desventura. Em determinadas ocasiões, a criança liga cenários de guerra e de violência a elementos como o sol, as nuvens, as flores, as árvores, os automóveis e os edifícios. O desenho, no contexto da educação infantil, assume uma enorme relevância, uma vez que a interpretação e a leitura de um simples desenho podem destapar aspectos e momentos pardacentos e tenebrosos acerca da vida de uma criança que até esse instante eram desconhecidos pelo docente e até pelos familiares.

Ao conceber cultura, a criança demonstra a sua capacidade para se encaixar e se manutenir na atmosfera social de modo diligente e activo, instituindo modernos modelos de comportamento e de ideias que divergem ou suplementam os contextos já existentes. Esta participação ou comunicação infantil é, em variadíssimas ocasiões, pouco valorizada pelos crescidos, sendo mesmo desconhecida ou raramente aproveitada naquilo que por direito também pertence à criança. Um exemplo que espelha perfeitamente esta conjuntura é o das instituições escolares e municipais, que concedem aos adultos a incumbência de elaborar e de organizar as estruturas físicas, as leis, as regras, os planos e os projectos, sem nunca escutar a opinião das crianças. Será que sobre esta matéria, as crianças não têm muito a transmitir e a coadjuvar? Será que a criança, apesar da tenra idade, é desprendida de inteligência? Será que não é através da inteligência que a criança vai conquistando o seu espaço junto da família, da escola ou de qualquer outro “cabimento” social? Será que a criança não aprende com as intercessões, cogitações e intervenções que estabelece diariamente com o meio social? Será que a criança não utiliza essas aprendizagens em benefício próprio? Será que não é desse modo que a criança vai desenvolvendo um conjunto de conhecimentos que a formarão na sua subjectividade, no seu comportamento e no seu carácter?

Os conhecimentos são edificados e estruturados num sistema de permutas culturais entre os indivíduos, o qual possibilita o estabelecimento de métodos de avaliação que nos ajudam a classificar de correcto ou de errado determinada conduta ou conjuntura. Paralelamente também permite perfilhar aquilo que mais nos favorece e rejeitar aquilo de que menos gostamos, assim como divulgar as experiências e vivências, e reedificar conceitos antigos. A criança, em convivência com as outras pessoas, através do imaginário, do utópico e da criatividade acaba por fundar e disseminar novas formas de meditar e de actuar, sendo que as mesmas podem suplantar as fronteiras estandardizadas pela sociedade, estabelecendo e convencionando novas normas e configurações, e abandonando o receio de falhar frequentemente presente na conspecção e acção dos mais crescidos.

A criança ao nascer já está incluída num mundo trajado a novas tecnologias, moderno, e guarnecido de imposições e de inovações. Depois de citadas as tecnologias, já é exequível raciocinar na nova contextura em que o mundo hodierno está mergulhado, assim como nas dissemelhantes conexões que o mesmo agasalha em relação ao passado. Compreender a infância e a criança não se configura unicamente como uma forma de procurar critérios e princípios para a sua vivência digna e “nobre” como sujeito social, mas pretender que a mesma tenha voz e “musicalidade” para oferecer apoio e alicerces aos contextos que lhe são reservados. Será que ao desenhar, a criança não utiliza conhecimentos, emoções, sentimentos, motivações, experiências, ponderações e comparações que a formam como sujeito social? Será que essas “condições” não se evidenciam no acto de desenhar?
O desenho concretiza-se a partir de elementos corporalizados pelo sujeito, como são os factores que constituem a arte gráfica, ou seja o ponto; o traço; a linha; e a cor. Desse modo, é obrigatório escrever que a criança é como qualquer outra pessoa, um sujeito que convive com metamorfoses constantes. Será que estas transformações não afectam as formas de pensar e de agir? Será que lidar com correntes estagnadas não significa desacreditar essas mesmas transformações e ser transposto pelas mesmas? Será que essa desconsideração não tolhe todos os formatos de encadeamento e de intervenção que embrulham o homem? Será que a mesma não amputa os padrões “profícuos” da sociedade, da política, da educação, da cultura e da própria existência? Será que a concatenação dos jogos, dos comportamentos, dos procedimentos e dos desenhos da criança não podem ser analisados e degustados como uma espécie de corrente associativa ou interligada? Será que o desenho não pode ser lido como estrutura de linguagem? Será que as linhas, as cores e os rabiscos não pertencem à classe dos fenómenos verbais? Será que os mesmos não podem transmitir determinadas texturas sobre alguém? Será que as fronteiras entre a arte e a linguagem são visíveis? Será que as mesmas existem? Será que as correspondências entre a imagem e o vocábulo ou entre o traço e a letra não são bastante íntimas? Será que o desenho infantil não pode ser utilizado como instrumento de comunicação? Será que o mesmo é somente um entretenimento para a criança? Será que o desenho infantil não constitui uma superfície fecunda para contextos de avaliação e de encaminhamento?

A psicopedagogia é a área da ciência ou do saber que se estrutura a partir da pedagogia e da psicologia, ou seja estuda o processo de aprendizagem, bem como as suas principais dificuldades, aquartelando um temperamento preventivo e terapêutico. O cabimento desta intercessão acolhe “influxos” da psicanálise, da linguística, da semiologia, da neuropsicologia, da fisiopsicologia, da medicina, da filosofia humanista, da filosofia existencial, da filosofia da ciência e da filosofia da mente. Será que a psicopedagogia, no seio de uma perspectiva preventiva, não deve actuar na circunferência escolar, abrangendo também a estrutura familiar e a própria comunidade? Será que a mesma não deve clarificar as dissemelhantes fases de desenvolvimento da criança? Será que desse modo, os cidadãos não conseguem compreender superiormente as particularidades das crianças, evitando que as crianças tenham futuramente comportamentos, escolhas ou pensamentos inadequados para a idade? Será que a psicopedagogia, numa óptica terapêutica e através dos estádios de diagnóstico e de tratamento, não deve reconhecer, dissecar, arquitectar e interceder sobre determinadas pretensões e condutas? Será que o diagnóstico não confirma as suspeitas do psicopedagogo? Será que o mesmo não contribui para o encaminhamento correcto, ou seja um tratamento profícuo que até poderá contar com a intervenção de outros profissionais?

O corpo humano manifesta-se de várias formas, sendo que o movimento gestual dos traços, das linhas e dos pontos fica salvaguardado na folha de papel. É fundamental que os cidadãos tenham a noção de que o talento ou a arte da criança, exteriorizada pelo desenho, é um texto, como qualquer outro. Os desenhos acarretam informações valiosas sobre os símbolos e os significados que são disseminados e partilhados socialmente, embora a sua leitura ou interpretação possa assumir-se como uma empreitada escarpada devido, essencialmente, à sua extensão imagética. O acto de verbalizar sobre o desenho pode ser considerado um instrumento capital para se interpretarem as conjunturas históricas e culturais em que a criança vive, bem como os sentidos outorgados por a mesma a essa própria conjuntura. Será que o desenho não acaba por ser um texto não falado? Será que o mesmo não pode ser saboreado como uma manifestação de linguagem com penetrantes índices de interacção contextual e emocional?

Por decisão pessoal o autor não escreve sob as regras do Novo Acordo Ortográfico.