As comunidades terapêuticas, compreendidas como instituições de internamento para toxicodependentes em ambiência não hospitalar, com direcção técnica e “prescrição” profissional, despontaram num período anterior ao da existência de qualquer política pública, estruturada, abrangente e inclusiva, de interposição no “dilema”.

Na realidade, as mesmas medraram, reproduziram-se e multiplicaram-se, preenchendo algumas superfícies em que não desfilavam programas, planos, delineamentos, legislação e projectos de temperamento público que presenteassem, através de medidas, de alternativas e de soluções, os indivíduos dependentes que pretendiam curar-se. Será que actualmente as comunidades terapêuticas não são alicerçadas em contextos de atenção e de cuidado aos indivíduos toxicodependentes? Será que esses contextos não foram surgindo em dissemelhantes áreas da sociedade?

As primeiras comunidades terapêuticas agasalhavam finalidades diferentes daquelas que são conhecidas contemporaneamente. Apesar de encaixilhadas num prisma de saúde mental, destinavam-se a fomentar, em meio resguardado, a recapacitação psíquica e social de militares, vítimas de alterações psíquicas provocadas pela guerra. Será que este “movimento”, ao apresentar transformações do foro organizativo e terapêutico nas instituições de saúde mental, não contribuiu consideravelmente para uma espécie de revolução no campo da psiquiatria?

A organização administrativa hospitalar, cimentada no paradigma hierarquizado médico e enfermo, é ofuscada pela gestão participada, informada e democrática, edificando-se, assim, uma exígua organização social munida de qualidades e de particularidades terapêuticas. Esta conjuntura acabou por valorizar, de modo significativo, os encadeamentos interpessoais dos pacientes entre si, bem como dos pacientes com os técnicos. Promoveu-se a comunicação e amputaram-se as barreiras que tolhiam a mesma. Será que a relação de proximidade entre o cuidador e o paciente não é o resultado deste desenvolvimento comunicativo? Será que este cenário não fomentou a democratização do funcionamento institucional através da participação de todos nos assuntos comunitários? Será que não foi importante aniquilar as conexões altamente hierarquizadas, inflexíveis e formais? Será que não foi fundamental impulsionar os procedimentos grupais de tratamento? Será que a comunidade terapêutica não se metamorfoseou em “entidade” responsável pelo tratamento? Será que o ambiente social concebido não permitiu a condescendência e a superintendência das condutas perniciosas?

A vulgarização do fenómeno da toxicodependência, ocorrido nos anos oitenta, “correspondeu” às diligências políticas na procura de soluções integradas e abrangentes em matéria de tratamento, bem como na possibilidade de compreender e de laborar com o fenómeno e com os obstáculos sanitários e sociais que estavam coligados ao mesmo. Será que a evolução deste movimento não aquartelou diversas perspectivas?

Presenciámos uma autêntica proliferação de respostas concernentes à intervenção sobre o fenómeno, tanto em termos quantitativos, como em multiplicidade de abordagens em relação ao fenómeno. Foi seguramente um esforço que evocou não só as entidades públicas, como também as forças da sociedade civil, sendo exequível envolver esse fenómeno na circunferência de políticas públicas estruturadas por instituições de carácter governamental.

O Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT), fundado em 2002 e degustado como organismo dependente do Ministério da Saúde, albergava a incumbência de ser a entidade da administração pública com comprometimentos específicos na promoção da diminuição do consumo de drogas legais e ilegais, bem como na redução das dependências. Procurou ser a entidade nacional de referência para a intervenção nos comportamentos aditivos, erguendo o “palanque” em relação à organização, à coordenação, à articulação e à implementação das políticas referentes a toxicodependência. Será que o problema da toxicodependência não é transversal a toda a sociedade? Será que é na superfície da saúde que o fenómeno encontra o seu mais aclimatado emolduramento?

Quanto ao tratamento, podemos seguramente afirmar que um dos corolários da evolução das políticas públicas, respeitantes à questão da toxicodependência, recaiu fundamentalmente na articulação e na agregação das distintas categorias terapêuticas, num panorama indulgente e adaptado de cuidados que consentisse descobrir respostas específicas e apropriadas para as necessidades de cada doente. No cabimento organizativo, este caminho de articulação de respostas acabou por embrulhar as estruturas públicas de tratamento, bem como por conglutinar as instituições privadas que já actuavam neste “território”. Será que as necessidades prescritas por essa mesma articulação não fomentaram a indispensabilidade da significação e da compreensão de configurações e de procedimentos que autorizassem o atravessamento célere de doentes entre disposições de tratamento que obsequiavam respostas terapêuticas específicas e distintas? Será que mais tarde não se metamorfoseou em óbvio a necessidade de se conceberem e desambiguarem normas, critérios e indicadores que permitissem garantir os contextos mínimos imprescindíveis para a intervenção terapêutica? Será que a edificação do IDT não foi projectada para regularizar e fortificar a importância da área ligada à toxicodependência? Será que não é fundamental metodizar e clarificar os métodos e os critérios que sustentam e admitem as correspondências entre as instituições públicas, que hospedam o papel de normalizar a actividade na especialidade do tratamento da toxicodependência, e as comunidades terapêuticas privadas? Será que as comunidades terapêuticas privadas não devem ser saboreadas como parceiros importantes, pertinentes e essenciais no mapa intrincado de articulação das respostas para a toxicodependência na superfície do tratamento? Será que não é fundamental conhecer os diferentes diplomas legais que enquadram a actividade nesta área? Será que não é relevante conhecer e entender os resultados das iniciativas que o IDT realizou respeitantes à qualidade existente neste género de entidades? Será que não é importante a organização de um documento de referência teórica e prática que sirva de sustentáculo e de encaminhamento não só para os responsáveis e técnicos que já actuam neste cabimento, como também para todos aqueles que ambicionam interferir no mesmo? Será que as comunidades terapêuticas não podem ser degustadas como unidades especializadas de tratamento residencial de longa duração, em forma de internamento? Será que não é através de apoio psicológico, social e terapêutico que essas instituições procuram colaborar na reestruturação do universo interno dos toxicodependentes e na perspectivação do seu vindoiro? Será que esse apoio não é alicerçado num programa terapêutico articulado em dissemelhantes estágios?

A comunidade terapêutica acaba por ser um sistema integrado num aglomerado de respostas terapêuticas, no qual a dinâmica comunitária a diferencia das outras “abordagens” de tratamento. Estes “preceituadores” terapêuticos actuam com um grupo pluridisciplinar, embora debaixo de uma supervisão psiquiátrica. Ao recomendarem uma fractura com o meio envolvente, área onde os consumidores se encaixam, e através de coadjuvação especializada, as comunidades terapêuticas têm como propósito principal a reaprendizagem da vida sem drogas e o reconhecimento das competências e capacidades pessoais, perspectivando sempre uma reestruturação psicológica e social, de modo a simplificar uma reinserção que deve ser saboreada como determinante e compensadora na sociedade.

As comunidades terapêuticas tentaram ao longo dos anos conceber espaços de meditação e de ponderação com a finalidade de elaborar estudos acerca da história pessoal dos indivíduos para que seja possível outorgar um novo sentido à sua existência e assinalar circunstâncias de transformação imprescindíveis; promover competências sociais que possibilitem a “vida realista”, destapando opções profícuas de percursos de vida; fomentar os contextos de independência e de responsabilidade para que os mesmos sejam verdadeiros alicerces da vida em sociedade; espigar a capacidade de criar e de conservar encadeamentos salutares, despedaçando, desse modo, os arquétipos perniciosos e aniquiladores; metamorfosear as texturas contraproducentes de procedimento, de meditação e de sentimento que predeterminam e impulsionam o consumo de estupefacientes; e promover a inserção social. Será que estes objectivos não têm o propósito de promover o autocontrolo sobre o consumo de drogas, desenvolvendo, simultaneamente, as aptidões pessoais e sociais? Será que a finalidade final não passa pela “emancipação” dos indivíduos e pela sua absoluta inserção social? Será que a relevância do tema “dependência química” é assinalada unicamente pela sua actualidade? Será que o mesmo não é marcado maioritariamente pelo seu grau de complexidade? Será que o tema “dependência química” não está encaixado numa tela social que atravessa, de modo ininterrupto, profundas transmutações sociais, económicas, políticas e culturais, nas quais antigos modelos são despedaçados e novos valores são congregados?

A toxicodependência constitui um flagelo que atingiu o mundo inteiro, estando coligada a inúmeros actos de violência e ao crime organizado, afectando cidadãos de todas as classes sociais, bem como faixas etárias cada vez mais prematuras. Infelizmente algumas políticas públicas foram cogitadas e implementadas de forma pouco célere. Será que a legislação existente sobre toxicodependência é clara e completa? Será que a questão da toxicodependência está presente nas “diferentes” políticas sociais? Será que a assistência social, a saúde e a educação não constituem sectores que incorporam essas políticas sociais?