De Nação para Nação, a conveniência nacional acabará por ser eternamente dúbia e inconstante.

A indumentária das golden shares tinha na sua tonalidade alguns “requisitos” como sejam: a manutenção, em algumas organizações, do objecto social e local de registo; a salvaguarda da venda de empresas estratégicas para a economia nacional; a colocação de restrições à alienação de certas empresas a determinados accionistas; a “veneração” das regras precocemente instituídas por parte dos novos proprietários; a manutenção dos serviços e bens de conveniência económica comum; e a disseminação da defesa nacional. Todavia, o dilema que envolveu as golden shares foi o de saber se os seus regulamentos económicos e fragrâncias políticas estavam em sintonia com o Direito Comunitário. Será que a existência das mesmas não colocou em causa os cânones elementares da União Europeia?

Será que a autonomia de fundação e estabelecimento, assim como a liberdade de circulação de capitais inscritas em alguns Tratados não ficaram empalidecidas? Será que a vulgarização da insígnia da golden share não foi o mesmo que abraçar o inimigo do interesse público, dos contribuintes e da própria Nação?


Foram surgindo alguns traços de contestação à instituição de obstáculos em relação à detenção de participações sociais por parte de entidades estrangeiras, sempre por coacção das autoridades nacionais, bem como à aplicação de instrumentos que permitiam actuações públicas privilegiadas e singularizadas. Será que a função do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) tem sido producente e diligente? Será que a solidificação da integração europeia tem sido democrática? Será que foi uma mais-valia para a Europa que o TJUE detivesse a exclusividade da interpretação dos Tratados? Será que essas interpretações aconchegaram algum género de hegemonia sobre as deliberações de “palanque” nacional?


De Nação para Nação, a conveniência nacional acabará por ser eternamente dúbia e inconstante. A desprendida circulação de capitais necessita que essas interpolações não representem custos e dificuldades para os investidores. Será que o investidor não vai somente aceitar o risco de investir tendo em conta a íntegra compensação pela dubiedade de retorno? Será que cada decisão de investimento não deve abrigar algumas doses de segurança jurídica e económica? Será que as golden shares não se arquearam aos interesses e intromissões dos partidos políticos, bem como a um conjunto de presunções e manifestações infundadas de poder? Será que em algumas circunstâncias, as golden shares não “subsidiaram” fins menos honrosos do que aqueles que foram melosamente apregoados? Será que as optações pelos instrumentos de resgate em vez de outras medidas, como por exemplo a emissão de dívida europeia, constituíram políticas imparciais? Será que o TJUE, como tradutor e comentador exclusivo dos Tratados e com preeminência em relação às decisões nacionais, tem tido um papel de forte pressão naquilo que toca à privatização e liberalização das economias?


Por exemplo, a golden share da Portugal Telecom (PT) acabou por despontar de um decreto-lei e nada teve a ver com uma decisão dos accionistas. Logo, tratou-se de uma imposição jurídica e política oriunda das privatizações e desvinculada da “configuração” comercial. Não colocando em causa a relevância desta medida para Portugal, esta constituiu um intrometimento do Estado no direito dos privados.
O vocábulo privatização é polissémico, podendo reintegrar inúmeras interpretações e significações, bem como desencadear diversos índices de emaranhamento. Na realidade, o conceito de privatização separa o público do privado, perspectivando permanentemente um delineamento mais eficaz. Contudo, aquilo que acaba por suceder é que as derradeiras decisões são tomadas constantemente pelo Estado. Os movimentos privilegiados do Estado na PT constituíram uma autêntica golden share, uma vez que no período em que os regulamentos da PT foram criados e ratificados o Estado era accionista maioritário. Será que a golden share da PT estava em sincronia com os cânones da liberdade de circulação de capitais? Será que os procedimentos tiveram como pano de fundo o direito comunitário? Será que não se tratou de uma liberdade ilegítima? Será que o Estado não fez somente o encaixe financeiro com as privatizações, libertando-se, injustificadamente e prazenteiramente, dos encargos adjacentes ao exercício do dinamismo económico das próprias empresas? Será que este comportamento não encobriu uma espécie de gastronomia recheada de atritos, desinteligências e sulcos?