Passámos do milagre à tragédia lusitana e a ocupar os piores lugares comparativos a nível mundial.

Pandemia: “Corresponde à existência de condições extremamente facilitadas na propagação de um agente no ambiente, determinada por movimentos migratórios, facilidade de transporte, concentração de indivíduos. Estes fatores podem determinar um processo epidémico caracterizado por uma ampla distribuição especial da doença, atingindo diversas nações e continentes.”
José Carvalho, 2020

No fim da primavera passada fomos caso de sucesso mundial, no comparativo com outros países em matéria de pandemia Covid-19 e seus nefastos efeitos. Políticos, empresas e população, fizeram tudo o que estava ao seu alcance para minorar os riscos e parecia termos vencido o embate. Mas o pior estaria para vir.

Percebeu-se que a mensagem institucional da saúde estava pouco clara, titubeante por vezes e a mensagem pelo Natal foi ainda menos bem percebida. Entre intervenções oficiais muito próximas do “cómico” e a grande propaganda à volta da vacina universal e gratuita em doses já asseguradas para todos, entrámos nas festas sem receios nem limites. E, se até já organizávamos festas do Avante e grandes prémios de Fórmula 1, é porque estaria controlada a pandemia.

Depois, confrontados com a realidade, percebemos naquele período de final de ano, também, que existiam numerosas cadeias de transmissão que ninguém controlava e percebemos, sobretudo, que o serviço nacional de saúde tinha interrompido por quase um ano os tratamentos de outras doenças, igualmente importantes e graves. Cerca de um milhão de atos médicos ficaram por realizar face ao primado do tratamento Covid. Os hospitais esgotaram a sua capacidade e os doentes começaram a ser “acomodados” em corredores de hospitais. Não era, afinal, assim tão grande o “milagre” português.

Passámos do milagre à tragédia lusitana e a ocupar os piores lugares comparativos a nível mundial, tendo ficado mais claro que muitas das medidas tomadas são de reduzida eficácia e algumas tomadas sem qualquer fundamento ou estudo científico subjacente (como a concentração das pessoas no período da manhã em filas intermináveis nos espaços comerciais que encerravam às 13:00). A propaganda toda à volta das poucas vacinas que começaram a ser ministradas, levaram igualmente a descontração social e a menos cuidados dos cidadãos.

Agora estamos em meados de janeiro e com o SNS a dar tudo para impedir o desastre. Mas o ano vai ser longo. Estamos no princípio do ano e com os hospitais cheios de doentes e com a curva bem lá no alto, a atingir um pico impensado de 150 mortos por dia. Ou seja, levará longos meses a achatar a curva e a capacidade de resposta vai diminuindo. As questões sociais vão pesar tanto ou mais do que as questões de saúde pública.

Para já teremos um confinamento que nunca será inferior a 2 meses (sim, começa sempre por períodos de 15 dias). O ano será bem pior do que foi o de 2020. E não adianta mandarem milhões de sms a dizer que a vacina está já aí, porque verdadeiramente não está e só gera mais ansiedade ou comportamentos de risco. Até agora vacinámos 0,68% da população, e só com a primeira dose da vacina, ou seja, verdadeiramente ainda não imunizámos ninguém. O que está aí é um cenário que obrigou a confinar novamente, quando nos era dito que não o poderíamos – económica e socialmente – voltar a fazer.


Fonte: DGS