Desde a década de oitenta que o ensino superior em Portugal tem vindo a conviver com algumas aclimatações.

Na verdade há uma espécie de democratização que vai esbarrando em diversos constrangimentos orçamentais. A instrução, a educação, a formação superior, a competência profissional e a investigação são actualmente reconhecidas como condições geradoras de igualdade, mobilidade e coesão social, eficácia económica e inserção internacional. Antigamente a riqueza de uma Nação estava intimamente ligada aos seus recursos naturais e à mão-de-obra barata. Contemporaneamente, a “fertilidade” depende essencialmente do conhecimento, da erudição e da capacidade produtiva dos seus cidadãos, uma vez que estes requisitos são essenciais em todo o tipo de actividades, quer elas sejam industriais, agrícolas ou de serviço. Num mercado internacional muitíssimo competitivo, os procedimentos e meios tecnológicos empregues em determinadas laborações são celeremente e permanentemente comutados por outros mais aprimorados. Também será importante realçar que o conhecimento permite, de uma forma bastante mais abrangente e penetrante, a implementação, estruturação, fornecimento e “reabastecimento” de políticas e serviços públicos.

Portugal, assim como qualquer outro País, precisa de uma educação superior espaçosa, rigorosa, multifacetada, imparcial e de “carácter” vincado para acompanhar as indispensabilidades e voltagens sociais, culturais e económicas que desfilam na intrincada sociedade do conhecimento. Ao Estado compete patrocinar e promover a educação superior na totalidade das suas configurações, bem como regimentar os semblantes da mesma que envolvam recursos públicos e que, por esse motivo, possam prejudicar as conveniências comuns das comunidades. O ensino superior acaba por ser um vértice estratégico para o aperfeiçoamento económico de Portugal, sendo para muitos estudantes um género de investimento privado vantajoso que possibilita, para além dos conhecimentos e competências, ganhos económicos efectivos. Os benefícios amarrados ao investimento em capital humano transbordam os ganhos individuais, sendo por essa razão que o apoio por parte do Estado é essencial. Neste contexto, podemos referir que a educação superior se expandiu e diversificou não só em relação aos alunos, como também em relação aos promotores, arquétipos e âmbitos de formação.

Será certamente para afastar o risco de contemplar as vantagens externas descuradas por mercados aconselhados unicamente pelos interesses privados e, muito presumivelmente orientados para actuações de duração reduzida, que a educação é financiada pela “superfície” pública e a sua inalação é obrigatória até determinada idade. Na realidade, existem factores fundamentais em si mesmos, independentemente das utilizações práticas e do seu “preço” de mercado. Será que a sociedade costuma reconhecer e remunerar aqueles que agasalham capacidade e idoneidade para conceber produtos ou serviços Gourmet? Será que existe algum grau de desarmonia entre a educação abrangente, que consolida e inflama a meditação crítica, e a qualificação para o trabalho produtivo na generalidade das suas fragrâncias?

Outrora, a educação superior circunscrevia-se a um franzino número de cidadãos privilegiados. Estes adubavam-se com os saberes e profissões tradicionais. Presentemente, a educação superior é um sistema massificado. Esta massificação vai ao encontro das pretensões da própria sociedade, pois a mesma procura e necessita de pessoas cada vez mais competentes, ilustradas e instruídas nos mais diversos cabimentos. Como sabemos o ensino superior aconchega elevados custos. Os custos acabam por ser distribuídos por três mananciais capitais que são os contribuintes; os pais; e os alunos. A comparticipação dos estudantes, e respectivas famílias, no financiamento do sector educativo é obtida através de contribuições directas como sejam as propinas, as matrículas e outros tipos de taxas. Será que o abatimento da prestação num desses mananciais provocaria um acréscimo compensatório das outras cotizações? Será que a redução do valor das propinas acarretaria uma diminuição da qualidade de ensino, uma redução do amparo social aos discípulos ou uma transformação da silhueta socioeconómica dos discentes? Será que a repartição dos custos em vigor é justa?

O conceito de igualdade está associado ao modo como os recursos são concedidos, disseminados e partilhados pelas populações, sendo rotineiro diferenciar a igualdade horizontal, no sentido do tratamento igual dos cidadãos iguais, e a igualdade vertical, no sentido do tratamento diferente dos cidadãos diferentes. Será que a educação oferece equidade de oportunidades aos jovens procedentes de paradigmas socioeconómicos bastante dissemelhantes? Será que ao procurar resolver os problemas intrínsecos ao actual modelo de ensino, sem o abandonar, o Governo não se arrisca a inserir componentes suplementares de inflexibilidade que dificultarão a própria gestão do sistema? Será que uma reforma mais destemida, alicerçada na transfiguração do protótipo existente de financiamento, não seria mais profícua para todos?

A propina uniforme provoca profundas deformações. Este modelo desorienta o aluno quanto ao autêntico custo da sua estadia no sistema de ensino, não estimulando o seu empenho e dedicação. Muitos alunos matriculam-se reiteradamente nas mesmas cadeiras, sem que com isso tenham qualquer espécie de punição. Também existem as inscrições fictícias, mantidas somente com a finalidade de obter diversas imunidades. Será que estas situações não representam um custo elevado para a população? Será que não há uma permanência média excessivamente elevada no sistema de ensino público? Será que o problema do ensino em Portugal não foi agravado por um inexplicável alargamento do mesmo em vértices onde nitidamente já existia descomedimento de oferta? Será que a política de propina uniforme não revoga a função do preço enquanto “referenciador” de qualidade?

Amassadas por uma rivalidade traiçoeira, algumas instituições de ensino superior são encaminhadas para cursos estrambóticos. Esta conjuntura acaba por empalidecer as texturas de qualidade que forçosamente devem patrocinar as instituições de ensino superior. Será que não há “ambiências” endógenas, naquilo que diz respeito à qualidade do ensino, que não podem ser “surripiadas”?

Com a inexistência de uma doutrina de incentivos enérgica e convincente, a rectificação dos desequilíbrios tem obedecido a um raciocínio de comprometimento entre as conveniências corporativas que presentemente procuram a racionalidade no aproveitamento do dinheiro público. Para resolver alguns dos problemas relacionados com o ensino, o Governo sugere o encerramento de cursos com menos de dez discentes, um incremento delicado das propinas e um apelo às universidades públicas para estas praticarem propinas “individualizadas”. Será que estas medidas não são inconsequentes, ao ponto de o Governo somente estar a comprar uma guerra? Será que em vez de financiar as instituições, o Estado não deveria passar a subsidiar os alunos? Não seria preferível cada aluno receber uma determinada importância financeira, com o formato dos títulos nominais e intransmissíveis, unicamente utilizável para pagamento de propinas de cursos acreditados pelo Estado em instituições de ensino superior públicas ou privadas? Será que responsabilizando os alunos, não se está a contribuir para a formação de uma mentalidade mais norteada para o êxito, sentimento de pertença e comprometimento? Será que estas medidas não incentivariam as universidades a caminhar na direcção da perfeição e do requinte? Deste modo, o aluno teria a noção que depois de esgotar o subsídio atribuído pelo Estado pagaria do seu dinheiro as propinas remanescentes, enquanto as universidades passariam a ter bastante mais autonomia, tanto no estabelecimento do valor das propinas, como em relação à entrada de novos cursos, e às contratações e vencimentos dos próprios docentes.

Torna-se crucial que sejam reformuladas as políticas praticadas no ensino superior, pois neste momento é quase impossível aos estudantes, principalmente quando estes se encontram deslocados e são oriundos de camadas sociais mais pobres, permanecerem no ensino superior. Para além do preço das propinas, existem as despesas com deslocações, alojamentos, lazer, saúde, comunicações, material escolar e alimentação. Será que alguém pretende que o ensino superior em Portugal fique exclusivamente vocacionado para as classes sociais mais abastadas?