À beira da serra, em torno desta imensa montanha, estende-se um vasto território de comunidades com muitos pontos em comum, sobre os quais se desenvolvem projectos, ideias e acções práticas. Nesta beira que já foi Beira, talvez por ser a maior província de Portugal, no século XVII, correspondendo, aproximadamente, aos distritos de Castelo Branco, Viseu, Guarda, Coimbra e Aveiro. Um território imenso, que de tão grande extensão, acabou por ser dividido na reforma administrativa de 1832, dando em duas províncias, a Beira Alta e a Beira Baixa, mais uma pequena parte litoral, ao Douro.

Mas é nesta Beira, sempre altaneira e tantas vezes formosa, que corre o dia-a-dia de quem resiste, numa espécie de descampado, a emparedar impulsos, para não deixar morrer o que resta. Numa beira de terra, onde se lavram duras realidades, em contra-correntes, pela lonjura aos centros de decisão, por falta de quadros, por escassa gente e por tanta dificuldade atirada ao caminho.

Na resistência dos que ficam, acendem-se focos de luz vesga, em nesga de esperança, como que a lançar sementes de fraca cepa, na vã tentativa de agarrar quem parte. Segurando nesta Beira, à beira de razias populacionais, como podem e o que podem, para dar vida à vida, neste apertado território, que por ter sido tão grande, se encolhe agora, quase de vergonha pelo vazio deixado.

De quadro em quadro, de projecto em projecto, vários são os homens e instituições a dar exemplos de “boas práticas”, a implementar “projectos inovadores”, a “estimular as mentes”, a dar o “corpo ao manifesto”, a “empurrar com a barriga”, a “fazer das tripas coração”, a “provocar consciências”, a “dar azo á imaginação”, a ser “empreendedor”, a dar “corda aos sapatos”, a apostar no “saber-fazer”, a dizer “frases feitas”, a fazer o obvio e a “deitar mão a tudo”.

São os novos tempos de um outro ciclo em marcha, a enterrar defuntos e a levantar do chão ideias e projectos, quais escombros de guerra, entre detritos e dejectos, a cerrar fileiras, para não desistir ou tantas vezes para nada. Como se com quase nada se fizessem milagres, neste imenso território que é nosso e de quase ninguém.

Neste imenso vazio circunstancialmente varrido, numa espécie de terra cruel, onde se apontam os muitos que partem e os parcos que ficam, dando uso a esse empedernido livro do deve-e-haver da desolação inconformada.

Seja alta ou seja baixa, a Beira é como a razão, tem de estar lá, e nós sabemos que sim, que por mais mal façam, permanece à espera de nós e conta com os que ficam. Com quem não é indiferente, nem se alheia da importância do contributo a dar para dar vida à vida que resta, para não sucumbir, para dar futuro às terras da beira. Nesta Beira que deu beiras!